EMBUSCA DO HERÓI PERDIDO
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A literatura brasileira nunca foi
tão carente de herói como é a contemporânea. Depois do Modernismo, a figura
heroica que procurava enfrentar o mal e organizar o caos existente na
humanidade, passou a ser um herói que nega sua vulnerabilidade mergulhando numa
enorme solidão.
Desde a antiguidade clássica grega à
era moderna, o herói era personificado como um ser invencível e imortal.
Possuía e cumpria o papel que lhes era destinado: o de protetores e defensores
dos fracos e oprimidos da humanidade. Para ele o mais importante era combater o
mal, e neste contexto, vencia sempre o bem. Era assim que a justiça e a bondade
prevaleciam e empenhavam-se em combater as forças do mal. O herói enfrentava o
perigo com fé e disposição de vencer, ao contrário do pós-moderno, que se
tornou amargurado por ter sempre que vencer ou provar a sua invencibilidade. Percebemos
que na literatura contemporânea há um destaque maior para o anti-herói. Essa
visão imaginária se dá pelo fato de que autores contemporâneos cultuam temas
ligados a própria realidade. A existencial. Mário de Andrade, escritor da
primeira fase modernista no Brasil, deu destaque ao seu anti-herói, ou ao seu
herói sem nenhum caráter, Macunaíma. A
caricaturização deste herói é a vanguarda de todos os anti-heróis nacionais. A
partir daí a literatura passa a dar ênfase, não mais somente aos feitos
heróicos, e sim aos relacionados com os personagens coadjuvantes e não aos
protagonistas da história.
Heróis homéricos como Aquiles,
Hércules e Perseu, eram o ser/herói único e solidamente construído, em que o
imaginário mitológico permitia a fusão entre os deuses e o ser mortal,
permanecendo num ciclo eterno, diferentemente da contemporaneidade, em que esta
unicidade cedeu lugar a deuses desconstruídos. Na história da literatura a
presença do homem comum como protagonista é, sobretudo, recente, pois sempre
comportou apenas heróis considerados grandiosos capazes de realizar seus feitos
em prol de uma humanidade tão carente de salvação. Esses heróis/deuses eram
dotados de grande força e apareciam sempre com coragem e força, capazes de
levar avante ações heroicas. Na modernidade este tipo de herói entra em
decadência. Marshal Berman em seu livro Tudo
que é sólido desmancha no ar, afirma que o ponto crucial do heroísmo
moderno emerge de situações de conflito que permeiam a vida cotidiana no mundo
moderno.
Ao compararmos o herói clássico com
o moderno, percebemos um distanciamento em sua composição e conceito de ser
herói. Walter Benjamim observa esta questão em seu texto A Modernidade, o qual aborda a obra de Charles Baudelaire. Para
ele, o herói é o verdadeiro objeto da modernidade. Sendo assim, é preciso então
que tenhamos uma constituição heroica para se viver na modernidade. O heroísmo
de Baudelaire está na forma como resiste ao mundo mesmo em situações adversas.
Surge daí uma nova realidade inerente ao herói urbano, o flâneur, que vagueia pela cidade em busca de oportunidades, um
sonho. E este herói baudelairiano está condenado a sofrer nesse mundo, pois não
existe para ele uma função determinada, o que o aproxima do herói grego por
terem uma existência trágica marcadas pelo sofrimento. Para Benjamim este herói
moderno não estaria deslocado no tempo nem no espaço, pois observa a sua
decadência dando lugar a um herói urbano, ao homem comum que anda pelas ruas,
observa as pessoas, as casas, e isola-se devido a sua insegurança em relação ao
mundo, tornando-se um herói melancólico.
Berman ainda afirma que um dos
problemas fundamentais do modernismo do século XX é que nossa arte tende a
perder contato com a vida cotidiana das pessoas. Com esse distanciamento a
tendência é a separação do homem comum ao herói. Na literatura, o herói épico é
imortalizado nas obras de Homero, depois ganham destaque nas novelas de
cavalaria. Obras como Don Quixote, de
Miguel de Cervantes e A Demanda do Santo
Graal, do organizador Heitor Megale, retratam fielmente a posição do homem/
herói. Todos são movidos pela honra e o desejo de tornarem-se heróis de suas
próprias aventuras. A nenhum deles é atribuído super-poderes, diferentemente de
outros heróis que saíram dos gibis para
as telas de cinema em Hollywood. Percebeu-se a partir daí a necessidade de se
criar um herói. O objetivo era justamente preencher ilusoriamente a falta deste
herói. Personagens como o Super Homem, Batman, Hulk e Homem Aranha, surgiram
numa época em que o homem já não tinha heróis nenhum. Perdeu-se o encanto, a
magia da mitologia, para entrar em cena o herói que todo o homem pós-moderno
desejava ser. O herói que resolve tudo por si só. Invencível e acima de tudo,
imortal, que se utiliza de recursos tecnológicos, armas e às vezes, suas
próprias mãos para combater o mal.
Do Barroco ao Modernismo esse herói
literário desaparece por completo. Resta-nos apenas a presença marcante dos
anti-heróis que compõem os romances e ganham destaque nas obras sobrepondo-se
ao protagonista. De Shakespeare a João Guimarães Rosa, eles brilham ofuscando
muitas vezes, o brilho que seria do personagem principal. E o resultado é
exatamente o surgimento de grandes personagens como Iago, de Othelo, que manipula todos os demais
personagens e enriquece a obra, transformando-a numa belíssima tragédia.
Essa ausência do herói na literatura
é notada pela falta que o mesmo faz em uma obra. Mesmo se criando personagens
esteticamente considerados anti-heróis, que agradam a seus leitores, e tem o
seu espaço garantido, falta na literatura o personagem que nos permita voltar a
sonhar com o heroísmo e a magia que a literatura medieval exercia sobre o
leitor. O que é um grande paradoxo, quando esperamos que surgisse um herói num
mundo tão desconstruído de sonhos, em que a realidade é fria e agressiva, cheia
de individualismos e culto a violência. Neste contexto então, é cabível que nos
conformemos apenas com os heróis que ainda sobrevivem nos gibis, até que eles se percam no ostracismo que o tempo exerce
sobre a figura de todos aqueles personagens quem um dia também foram heróis.
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