O jogo e seu lugar na aprendizagem da Matemática
Nas aulas de Matemática, os jogos ajudam a criar contextos de aprendizagem significativos. Mas é preciso acertar na escolha e compreender como os indivíduos se relacionam com o jogo. A especialista Ana Flávia Alonço Castanho discute o assunto.
Ana Flávia Alonço Castanho, selecionadora do Prêmio Victor Civita na área de Matemática
Trabalhar com jogos nas aulas de Matemática é uma das situações didáticas que contribuem para a criação de contextos significativos de aprendizagem para os alunos. Esta descoberta se deu no conjunto de uma série de transformações que o ensino experimentou nas últimas décadas, desde que professores e instituições passaram a pautar sua prática por uma concepção de aprendizagem segundo a qual aprender significa elaborar uma representação pessoal do conteúdo que é objeto de ensino - quando os alunos constroem conhecimentos em um processo ativo de estabelecimento de relações e atribuição de significados.
Ensinar passou a ser compreendido como criar condições adequadas a esse processo e à realização de intervenções com vistas a possibilitar avanços aos alunos. Com isso, novos critérios passaram a ser úteis para a tarefa do professor, como: organizar o ensino em torno de situações-problema que façam sentido para os estudantes e tornem necessária a construção ou reelaboração de conhecimentos para sua resolução; estabelecer relações com os fazeres que caracterizam o trabalho de uma determinada área de conhecimento; compreender as práticas culturais de uso de um determinado saber e as formas como os indivíduos, em geral, se relacionam com elas.
É nesse contexto que o jogo passa a ser uma presença mais constante nas aulas de Matemática. Mas a experiência tem indicado que a presença do jogo, por si só, não leva à aprendizagem dos alunos. Por isso, vamos discutir nos capítulos seguintes que condições podem fazer do jogo um aliado do professor na organização de boas situações de aprendizagem. O ponto de partida é compreender o jogo como uma prática humana e social de relação com o conhecimento.
O jogo como via de acesso a conhecimentos
A despeito dessa dificuldade em relacionar as características de um objeto cultural de lazer e entretenimento com as preocupações escolares, muitos estudiosos defendem a presença do jogo na escola, argumentando que para a criança em idade escolar, o jogo, nas suas diferentes formas, é uma excelente via de acesso a novos conhecimentos, porque além de tornar significativo o encontro com novos saberes, também cria um contexto em que se apoderar desses conhecimentos tem uma razão mais próxima do ponto de vista infantil - ir bem no jogo - , além da razão que a escola sempre lhe apresenta, que é preparar-se para a vida futura.
Segundo Ortiz (2005), um estudioso espanhol desse tema, as próprias características do jogo o constituem como um excelente veículo de aprendizagem e comunicação, especialmente para as crianças, que têm a oportunidade de envolver-se com a própria aprendizagem, participando ativamente de todo o processo educativo. Esse autor ressalta que o acesso ao jogo ao longo do processo educativo é considerado, hoje, um direito inalienável, segundo a Declaração Universal dos Direitos das Crianças:
"A criança desfrutará plenamente do jogo e das diversões, que deverão estar orientados para finalidades perseguidas pela educação; a sociedade e as autoridades públicas se esforçarão para promover o cumprimento desse direito" (Ortiz, J. P. Aprendizagem através do jogo).
Assim, pode-se considerar que dar ao jogo um justo lugar dentro da escola, relacionando-o com conteúdos importantes de aprendizado, é uma forma de respeitar o modo como as crianças aprendem, dando a todos os alunos a chance de se relacionar com o conhecimento de uma forma mais prazerosa, significativa e produtiva.
Mas, o que significa dar ao jogo "um justo lugar dentro da escola"? Uma primeira resposta é a que já foi apontada acima: criar condições para que todos os alunos aprendam, para que o jogo seja uma instância que favoreça o avanço de seus conhecimentos. Outra resposta, imprescindível, também, é que o jogo se relacione com os objetivos curriculares e as necessidades de aprendizagem dos alunos. Ou seja, dar ao jogo seu justo lugar dentro da escola implica perguntar se o jogo em questão cria condições para as aprendizagens específicas que se quer promover.
O jogo como recurso para a realização de objetivos curriculares
Para que o trabalho com jogos matemáticos na escola possa se constituir como base para uma boa relação com o conhecimento, é preciso ter em mente que:
"O jogo é, por natureza, uma atividade autotélica, ou seja, que não apresenta qualquer finalidade ou objetivo fora ou para além de si mesmo. Nesse sentido, é puramente lúdico, pois as crianças precisam ter a oportunidade de jogar pelo simples prazer de jogar, ou seja, como um momento de diversão e não de estudo. Entretanto, enquanto as crianças se divertem, jogando, o professor deve trabalhar observando como jogam. O jogo não deve ser escolhido ao acaso, mas fazer parte de um projeto de ensino do professor, que possui uma intencionalidade com essa atividade" (Ana Ruth Starepravo. Jogando com a Matemática: números e operações).
A ideia de que "o jogo não deve ser escolhido ao acaso" é a marca fundamental do trabalho escolar. É imprescindível - se se quer fazer do jogo um contexto de aprendizagem - perguntar-se sobre o que o jogo permite ensinar, sobre qual conteúdo matemático é posto em destaque no jogo, sobre como isso se relaciona com as necessidades de aprendizagem dos alunos naquele momento, sobre que outras situações de ensino podem-se articular às situações de jogo, sobre como sistematizar e institucionalizar o conhecimento posto em ação e, com isso, relacioná-lo às aprendizagens previstas no currículo.
A intencionalidade do professor, tão bem apresentada nas palavras de Ana Ruth Starepravo, é a marca que distingue as situações de jogo vividas no meio social e as situações escolares de aprendizagem a partir do jogo. Para fazer valer essa intencionalidade, é fundamental que o professor parta das estratégias de cálculo utilizadas inicialmente pelas crianças em suas jogadas, de seus procedimentos, de suas dúvidas e acertos e planeje atividades e intervenções desafiadoras a partir disso, a fim de que seus alunos possam avançar nos conhecimentos em questão.
Esse espaço para intervenção do professor que o trabalho com jogos matemáticos possibilita é precioso, segundo Cecília Parra. Esta autora aponta que um trabalho intencional e reflexivo, por parte dos professores, com jogos na aula de Matemática permite "maiores oportunidades de observação, a possibilidade de variar as propostas de acordo com os níveis de trabalho dos alunos e inclusive de trabalhar mais intensamente com aqueles que mais o necessitam". Ou seja, é a partir da intervenção do professor que os jogos matemáticos se transformam em contextos de aprendizagem para os alunos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário