Como trabalhar a literatura infantil com quem ainda não foi alfabetizado
Não é preciso saber ler para conhecer o mundo de fantasia da Literatura. Ou para se encantar com os livros. Uma criança é capaz de folhear um livro, ver as figuras e imaginar uma história. Se houver quem a escute, ela pode até contar essa história. Talvez, sua narrativa seja diferente da que está escrita, ou talvez seja praticamente igual, de tanto que ela já a ouviu e a conhece de cor. Ela não está lendo propriamente, mas está dando um importante primeiro passo.
Há um nome para esse processo pelo qual a criança “lê” um livro antes de aprender a ler: pseudoleitura. A criança já sabe que as figuras e símbolos nas páginas do livro contam uma história, são um sistema de códigos. Ela ainda não compreende as regras do sistema, mas sabe que ele existe. Diferencia, assim, o objeto livro de outros objetos, como um bloco de madeira ou um baldinho de plástico, que até podem servir à imaginação, mas não trazem, em si, um significado além de si mesmos. Mais do que isso: a criança é capaz de reconhecer trechos do enredo de um livro e até mesmo algumas palavras, apenas por memorizar as ilustrações e o desenho das letras.
Não é pouca coisa e é a base da qual os educadores partem para trabalhar a Literatura na Educação Infantil, definindo, assim, as práticas e o acervo mais adequado para esse leitor que ainda não lê.
“Nesse contexto, é importante disponibilizar livros que sejam fartamente ilustrados”, diz a coordenadora pedagógica do Colégio AB Sabin, Suzy Vieira. “No Maternal I, nem precisam ter palavras”. Isso é básico, explica Suzy, não apenas porque as ilustrações despertam o interesse e instigam a fantasia, mas por ajudarem a desenvolver a oralidade e a promover acervos de memória para a futura leitura.
Pela mesma razão, a Educação Infantil privilegia os chamados contos de repetição. Trata-se de histórias em que um evento se repete algumas vezes com pequenas variações ou acréscimos de um ou outro detalhe. Um bom exemplo é O Caso do Bolinho, de Tatiana Belinky, no qual um bolinho fujão encontra alguns personagens em seu caminho e, para evitar ser comido, repete o mesmo bordão e a mesma canção para distrair seus algozes. Uma história montada sobre essa estrutura é mais fácil de ser memorizada, dando à criança certo controle em suas incursões ao mundo da fantasia.
Assim como bordões e músicas, algumas palavras simples, por aparecerem diversas vezes nos livros e no próprio cotidiano infantil, também têm potencial mnemônico. “Nessa fase, são muito importantes as chamadas ‘palavras estáveis’”, diz Suzy. Como exemplo, ela cita o trabalho que a turma do Pré I faz com o livro Macaco Danado, de Julia Donaldson.
Ainda que os alunos não saibam ler, o contato frequente com palavras como MACACO ou SAPO – e durante uma contação a professora pode apontar as palavras no livro, escrevê-las na lousa, destacá-las em cartelas – os faz associar os sons de “macaco” e “sapo” àquelas combinações específicas de letras. O mesmo efeito se dá com as palavras da rotina da classe, escritas diariamente na lousa (RODA, LANCHE, PÁTIO, etc.), ou até com os nomes dos alunos, também registrados em toda sala de aula da Educação Infantil. “Aí acontece, por exemplo, de um aluno chamado Rodrigo reconhecer a sílaba RO da palavra RODA e ter um insight: ‘Olha, professora, é parecido com o meu nome’”, diz a coordenadora.
Mas é claro que há algo mais fundamental do que a memória na aproximação com os livros: o prazer da leitura em si. Que começa com o contato direto com o objeto livro. Além da biblioteca geral do Colégio, com um acervo em torno de 500 títulos, cada sala de aula do AB Sabin (assim como na Educação Infantil do Sabin) conta com uma minibiblioteca própria, com pelo menos 24 títulos diferentes (um por aluno). E essa estrutura, diz a diretora do AB Sabin, Mônica Mazzo, é intensamente usada pelos alunos.
“Fazemos visitas à Biblioteca, em que eles escolhem os livros que quiserem, manuseiam, folheiam, mostram para os colegas. São momentos de livre exploração”, diz Mônica. Isso é importante, segundo a diretora, para estimular o gosto e o respeito pelos livros. “Também ensinamos que eles têm de cuidar do livro, não rasgar, não sujar, para que outros possam aproveitar a leitura como eles estão aproveitando”.
Orientações semelhantes são passadas também nas sacolinhas que os alunos utilizam para levar para casa os livros que tomam emprestados da Biblioteca do Colégio. O hábito do empréstimo não só é estimulado como pode ser pedido como espécie de tarefa escolar. “Uma coisa que fazemos é dizer que, na semana seguinte, alguns alunos vão contar a história do livro que levaram para casa”, diz a diretora.
É quando o Colégio conta com a ajuda dos pais para lerem com seus filhos, inclusive aproveitando para dar dicas que podem tornar essa atividade mais estimulante e frutífera. Felizmente, garante a diretora, os pais e mães do AB Sabin aceitam a tarefa com prazer. “Apesar de nem ser objetivo da Educação Infantil, boa parte de nossos alunos conclui o ciclo iniciando o processo de leitura e escrita, porque nossas famílias têm o hábito da leitura. Isso ajuda muito”.
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